Ricardo Giuliani

Apreensão pelos sentidos é Estética, do grego aisthesis. Percebemo-nos adoecidos, embrutecidos por lugares-comuns, cantos de sereia e verdades sonantes. Com certezas e crenças, culpas e inocências, julgamos o Outro com a naturalidade de quase deuses; aplainamos a terra, alimentamo-nos de insólitos e excretamos iniquidades autossatisfativas. Sim, fincamos os olhos no futuro sem visitar os nossos próprios rastros. A “moralização” da política – e sua consequente criminalização – a introdução de valores íntimos e particularíssimos como balizadores de condutas exigíveis (aos outros) nos espaços das decisões públicas, aniquilou a mais antiga das “artes” humanas e comprometeu as instituições humanamente construídas para a composição racional dos nossos interesses práticos.

Houve um tempo em que a neoliberal apoiou a comunista à prefeitura de Porto Alegre e o operário abraçou-se em Maluf na mansão em São Paulo; os honestos, todos, amontoavam-se num único partido político. Quem estivesse fora, “gente de bem” não era. O programático cedeu ao pragmático e, por vergonha ou devoção, palavras foram ressignificadas para acalentar ouvidos trouxas dos detentores do monopólio da honestidade. Assim os sentidos apreendiam a realidade, assim o caminho foi construído.

O rastro deixado por nós, o caminho que nos trouxe até aqui, está escarrado. Nega-lo, desconhece-lo, ignora-lo, é contribuir para que a sociedade siga percebendo um mundo emprenhado por uma estética individualista, estúpida e iníqua expressa pela geração Bolsonaro, o fundo do fundo do poço.

O espaço público, quando percebido a partir do moralismo, dá a sensação de impotência. O campo político da esquerda, abichornado debaixo do divã, está culpado, perdido e afônico, pois não sabe o que fazer com o discurso que lhe foi roubado pela ultra-direita.

Enquanto vivermos o concurso hipócrita e vazio para eleger “o mais honesto”, continuaremos vítimas e reféns da tal “gente de bem”.