Hescremêncio, assim fui batizado. Nasci de Querêncio e Quaraiana. Pelo que contam e pelas charlas que inda hoje se sucedem nas rodas de causo entretidas a mate castelhano, vim ao mundo num lugar que chamam de Pampaláxia.
Dizem os mais velhos que a Pampaláxia é terra de paradoxos óbvios; quando o frio bate, faz o cusco correr rengo e rosnar rouco. No calor, bah! A quentura cozinha o bucho, ferve os miolos e o mijo evapora antes de tocar o chão. Por que ei de duvidar, a Pampaláxia é lugar diferente. De arriba do lombo daquelas coxilhas, por defronte se enxerga a metade do mundo e, por detrás, a metade outra é que se apresenta. Lugar buenacho este de onde venho, ou de onde dizem que vim, pouco importa. O fato é que me sinto bem por frequentar a boca de maulas e vaqueanos e por sempre estar arrumando causos pra uns e histórias pra outros. É mais ou menos como diz o poeta: o meu destino segue num reponte, e a vista, bem, a vista, se encharcada de horizontes, a mente, caborteira desde sempre, persegue respostas e constrói mais dúvidas do que soluções, e a fala, buenas, a fala vai afiada como a faquinha de prata do Nego Latorre.
Se sucede que ando abichornado com alguns manotaços que a vida me emprestou. Nos lugares que me entreverei – ou, por certo, entreverado fui – vivi e me empanturrei de gente e de terras e de culturas e de lorotas e de circunstâncias que em nacos grandes ou pequenos se aprochegavam e vinham pro bem e pro mal, e me foram amoldando a estampa e o modo de pensar e de viver. E pra cada canto e experiência, pra cada pedaço de vida curtida, fui-me fazendo Hescremêncio, nomais.
Pouco importa o fundamento, não tem soga que me segure nem cara feia ou tese de doutor que me bote encilha. E não quero encilha no meu lombo, porque não quero lombos alheios pra botar encilhas! O sentido da liberdade nasce da vista sorvida no alto das coxilhas da Pampaláxia, onde não há cercas nem fronteiras, há horizonte recebendo o desejo de andar e andar e andar… sem amarras ou condições. Lá sei eu quantos anos tenho vivido por estas terras sem fim, sem nome e sem enredo. Lá sei eu quantas linhas li e quantas não me deixaram viver. Sei que mui cedo deixei o torrão onde nasci, sei que muitos ofícios tercei por aí, sei que muitas cagadas fiz e espalhei por estes torrões de terra. De cagada em cagada, fui aprendendo com os velhos, com os moços e com os mangaços que a vida te empresta e que te cobra a juros de agiota com registro no Banco Central, se é que me entendem. Se há lição que carrego, e juntei das lidas da política, é que jamais se deve tapar uma cagada com uma pá de bosta! E isso nunca fiz! Bosta feita, por certo, é terra adubada, é aprendizado que chega de ñapa. Se muito se fala, logo me calo, escuto, agradeço e, as devas, aprendo.
O que aprendi, distribuí. A esmo sulquei caminhos, e sempre na busca das suas razões mais profundas. Se ruins ou bons?, só a existência haverá de contar; a la pucha, nem gajeta pedi em troca do que fiz. Se fiz, foi porque quis fazer! Ninguém me deve pedra ou favor.
O que lhes afirmo, por ora, é simplesmente que decidi voltar pro chão onde fui parido. Meio tonteado por ganhos e perdas ei de morrer bem solito e rodeado de lembranças boas, tapado de estrelas brilhantes e vaga-lumes cambiantes e coberto por terras com flores de Maria-Mol e, mui especialmente, quando me ir, irei sorrindo aos que me perderam e que só depois da ausência haverão de chorar o vazio de quem em vida entregou-lhes só o que tinha, que era nada, muito pouco, nada passava de lições colhidas pelas quadras da vida além de um bom naco de amor.