Existe um lusco-fusco no horizonte tisnando os olhos dos retirantes. O vagar lento e cambaleante é marcado pelo peso das vontades reticentes que teimam em desobedecer aos desejos mais íntimos de nunca deixar o torrão que há gerações vem dando vida àquela linhagem de pobres e desvalidos. Os posteiros, encravados nos fundões do campo, não têm a ideia mínima do tempo que ficou pelo caminho na construção da pobreza vinda lá desde sempre.
Vivendo de favores e à custa de trabalho e submissão, se fizeram família pela lida e, pelas agruras da sobrevivência, fizeram seu mundo limitado àqueles moirões apodrecidos pela espreita dos anos que teimavam em passar e, a lo largo, com covas dos entes queridos individuados por montículos de pedra roubada dos campos do patrão no alto da ruga mais próxima do coxilhão que marcava os limites das terras do Seu Osório.
No limite do campo, no posto que antanho marcava o longínquo final das quadras e quadras de campo que ora se ia vendida, se vislumbrava a torre da igreja orientando os viventes que chegavam no povoado, pois nem pedaço de chão lhes sobrara. Na sombra do cinamomo, co’a vista de soslaio, mirando à esquerda, de quando em vez, a polvadeira levantava a partir dos automóveis que já substituíam, com larga vantagens, as carretas que antes vagavam no chão de terra batida que entrecortava o casario. A polvadeira de tons apastelados fazia fundo pras cruzes teimosas dos entes queridos que ali ficariam, afinal morto é morto, nomais.
Esses torreões são como obeliscos enaltecendo a glória dos poderosos. Estão sempre ali para fazer lembrar os que estão autorizados a contar a história, os vencedores. Cepas de pedra ou de concreto cravadas nos centros dos povoados teimam em implicar com o chão buraquento escondido na polvadeira alçada para esfumar as realidades do lugar onde vivem os que vivem e os que, por viver, perambulam por entre os nacos de vida. O lugar vai contrastado no horizonte entupido de sonhos e de coisas que ninguém viu e de um céu que só existe por aqui. E o campanário preside, orienta e se afirma por simplesmente existir e indica aos retirantes que há desejos que não se podem realizar, são sonhos que só podem ser sonhados, vividos?, seria pretensão e água benta .
Lindaço este céu fronteiro! Quando as tardes se preparam pra dormir, a palmo medido se vão derramando num encarnado encantado e, pouco a pouco, misturados em branco, azul e cinza de nuvens reboleadas no horizonte se transmudam num grená tonalizado de sangue que se esmaece no manto de noite feita de breu e de desconhecido.
As dobras das coxilhas vagam desorientadas no entorno do torreão da igreja. As molduras lúgubres da pedra se alimentam da luz da gente que chega empanturrada de enganos e das sinas que levam à eternidade e aos arrabaldes espalhados nos cantos abandonados e inúteis aos poderosos. O peito dessa gente pulsa por simplesmente pulsar, e o povoado, mergulhado no sono e no cansaço da existência, vai se enchendo de povo que mal sabe pronde caminhar.